É rápido o curso do tempo. Já não recordamos os sofrimentos coletivos de ontem.
Passaram, ou não nos dizem respeito. É melhor esquecê-los.
Um mecanismo psicológico lança à distância tudo que pode perturbar a tranqüilidade do nosso dia-a-dia. O sofrimento de milhões de pessoas já não importa. Foi em outra época.
Aí o engano das pessoas. Aquilo que aconteceu, pode voltar a ocorrer. A maldade humana é imensa. A história é cruel. Não poupa nem sequer os seus mais qualificados operadores.
Estas divagações surgem após o espectador tomar conhecimento do filme de Claude Lanzmann, Shoah. É documentário realizado alguns anos após o término da Segunda Guerra Mundial.
Com a câmera na mão, o diretor e sua equipe percorrem os mais diversos pontos da Europa e recolhem testemunhos. Estes são amargos. Na maioria, depoimentos de sobreviventes do extermínio de judeus.
Capta-se a amarga constatação do terror imposto pelos nazistas em seus campos de concentração e extermínio. O sentimento de humanidade se esvai. Fica a dura experiência da maldade em seu último grau.
Nada era poupado pelos carrascos. A dignidade humana reduzida a zero. O respeito aos sentimentos religiosos submetido ao escárnio. Os valores enraizados lançados à profanação.
Talvez, nunca o ser humano tenha demonstrado sua capacidade para o mal como na Alemanha nazista. Poderão passar muitas gerações. O peso daqueles dias sombrios permanecerá indelével.
Os longos depoimentos colhidos no filme Shoah permitem reflexões sobre vários ângulos. O histórico aponta para uma velha tradição européia para os pogroms, as perseguições aos adeptos da fé mosaica.
Outro ângulo, já de natureza psicológica, registra o risco das pessoas esquecerem os acontecimentos iniciados no entorno de 1942. Querem por meio de um falso revisionismo dar por normais todas as barbaridades.
Não pode a humanidade esquecer os campos de extermínio dos nazistas. Eles indicam o pior que existe no interior de cada pessoa. A inata capacidade dos homens para o mal infinito.
Tanto sofrimento, finalizado com a morte brutal de milhares de pessoas indefesas, jamais poderá ser esquecido. Muitas gerações serão geradas.
Elas sempre deverão ser lembradas de que, um dia, um povo buscou exterminar outro povo, apenas por idiossincrasia. Não eram combatentes. Meros cidadãos de um Estado, a quem foram tirados todos os direitos.
Outro ângulo a ser observado no acompanhamento do filme Shoah é a presença da corrupção em todos as situações com ausência de controle ético.
Os bens dos judeus eram confiscados. O destino destes deveria ser o Estado nacional de origem. No entanto, atravessadores se aproveitavam. Ficavam com parcela ponderável do arrecadado.
É a corrupção em todos os ângulos da vida social. E aqui uma recordação: A personalidade política que desvia dinheiro público comete, em outra escala, um verdadeiro genocídio.
Impede, com seus atos ilícitos, a construção e manutenção de hospitais. A produção de remédios. A instalação de creches e escolas. Fere elementares procedimentos sociais.
Claro que a comparação com o Shoah é meramente para efeitos de revolta cívica de cada cidadão. No entanto, toda vez que alguém, na vida pública, se aproveita de sua posição, age como um verdadeiro nazista.
Aceita o pior de seus impulsos interiores. Extermina milhares de pessoas sem qualquer sentimento de humanidade. É uma besta humana, tal como foram alguns durante a Segunda Guerra Mundial.
 
(Publicado no Blog de Claudio Lembo).