O Globo
Publicado em
19/01/2013
Guilherme Fiuza
O"Financial
Times" disse que o jeitinho brasileiro chegou ao comando da política
econômica. O jornal britânico se referia à solidariedade entre os
companheiros Fernando Haddad e Guido Mantega, num arranjo para que a
prefeitura de São Paulo retardasse o aumento nas tarifas de ônibus,
ajudando o Ministério da Fazenda a disfarçar a subida da inflação. A
expressão usada pelo "Financial Times" é inadequada. Os
britânicos não sabem que esse conceito quase simpático de malandragem
brasileira está superado. O profissionalismo do governo popular não mais
comporta diminutivos. No Brasil progressista de hoje, os números dançam
conforme a música. E a maquiagem das contas públicas já se faz a céu
aberto: o império do oprimido perdeu a vergonha. No fechamento do balanço
de 2012, por exemplo, os companheiros da tesouraria acharam por bem separar
mais 50 bilhões de reais para gastar. Faz todo o sentido. Este ano as
torneiras têm que estar bem abertas, porque ano que vem tem eleição e é
preciso irrigar as contas dos aliados em todo esse Brasil grande. A
execução do desfalque no orçamento foi um sucesso. Entre outras mágicas, o
governo popular engendrou uma espécie de "lavagem de dívida" para
fabricar superávit. Marcos Valério ficaria encabulado. O Tesouro Nacional
fez injeções de recursos em série no BNDES, que por sua vez derramou
financiamentos bilionários nas principais estatais, e estas anteciparam sua
distribuição de dividendos, que apareceram como crédito na conta de quem?
Dele mesmo, o Tesouro Nacional - o único ente capaz de torrar dinheiro e
lucrar com isso. Ao "Financial Times", seria preciso esclarecer:
isso não é jeitinho, é roubo. A "contabilidade criativa" -
patente requerida pelos mesmos autores dos "recursos não
contabilizados" que explicavam o mensalão - não é vista como
estelionato porque o brasileiro é um amistoso, um magnânimo, deslumbrado
com seu final feliz ao eleger presidente uma mulher inventada por um
operário. Não fosse isso, era caso de polícia. A falsidade ideológica nas
contas do governo Dilma rouba do cidadão para dar ao governo. Ao esconder
dívidas e "esquentar" gastos abusivos, a Fazenda Nacional fabrica
créditos inexistentes - que serão pagos pelos consumidores e contribuintes,
como em toda desordem fiscal, através de impostos invisíveis. O mais
conhecido deles é a inflação. Em outras palavras: o jeitinho encontrado
pelo companheiro-ministro da Fazenda para maquiar a inflação é um antídoto
contra o jeitinho por ele mesmo usado para aumentar a gastança pública. O
maior escândalo não é a orgia administrativa que corrói os fundamentos da
estabilidade econômica, tão dificilmente alcançada. O grande escândalo é a
passividade com que o Brasil assiste a isso, numa boa. Se distrai com
polêmicas sobre "pibinho" ou "pibão", repercute
bravatas presidenciais sopradas por marqueteiros, e não reage ao evidente
aumento do custo de vida, aos impostos mais altos do mundo que vêm
acompanhados, paradoxalmente, por recordes negativos de investimento
público. A bandalheira fiscal é abençoada por um silêncio continental. Nem
a ditadura conseguiu esse milagre. No auge da era da informação, o Brasil
nunca foi tão ignorante. Acha que as baixas taxas de desemprego - fruto de
um ciclo virtuoso propiciado pela organização macroeconômica - são obra de
um governo com "sensibilidade social". Justamente o governo que
está avacalhando a estabilização, estourando a meta de inflação e matando a
galinha dos ovos de ouro. Esse Brasil obtuso acha que as classes C e D
ascenderam ao consumo porque o que faltava, em 500 anos de história, era um
governo bonzinho para inventar umas bolsas e distribuir dinheiro de graça.
Esse mal-entendido pueril gera uma blindagem política invencível. Os
passageiros que assaram no Galeão e no Santos Dumont, no vergonhoso colapso
simultâneo de dezembro, são incapazes de relacionar seu calvário ao caso
Rosemary - a afilhada de Lula e Dilma que protagonizou o escândalo da Anac,
por acaso a agência responsável pela qualidade dos aeroportos. O governo
popular transforma as agências reguladoras em cabides para os companheiros
e centrais de negociatas, e o contribuinte sofre com a infraestrutura
depenada como se fosse uma catástrofe natural, um efeito do El Niño.
Novamente, nem os generais viveram tão imunes à crítica. Com a longevidade
do PT no Planalto, o assalto ao Estado vai se sofisticando. A área
econômica, que era indevassável à politicagem, hoje tem a Secretaria do
Tesouro devidamente aparelhada - um militante do partido com a chave do
cofre. E tome contabilidade criativa. Definitivamente, o Brasil não
aprendeu nada com a lição do mensalão. Os parasitas progressistas estão aí,
deitando e rolando (de tão gordos), rumo ao quarto mandato consecutivo. Não
contem para o "Financial Times", mas a conta vai chegar.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário