Luciane Trevejo
Publicado por Luiz Berto em ALÉM DO QUE SE LÊ -
Quando eu era pequena, tinha a pele era branquinha feito porcelana, as bochechas rosadas, olhos claros e cabelos loiros e lisos. Lembro-me de algumas bonecas, que não eram minhas filhas, mas sim, minhas eternas confidentes. Aliás, pensando bem, todas as minhas lembranças estão nessa fase : minha infância.
Diziam que me parecia com um anjinho, que eu era linda! Papai também pensava assim….Tinha um irmão mais velho, acho que se chamava Carlos. Mas não estou bem certa. Tudo me parece um tanto confuso agora. Ele era grande e forte, apesar de ter pouco mais que 12 anos. Só que nunca estava por perto quando precisei dele. Mamãe era uma mulher simples, de fala baixa, nunca se alterava, nunca discutia com papai, nunca discordava dele.
Morávamos numa casa simples, perto do Hospital de nossa pequena cidade. Eu via pessoas passarem em ambulâncias, sendo amparadas e socorridas e sentia inveja . Nunca fui amparada ou socorrida. A nossa vizinha, era cabeleireira, tinha duas filhas mais ou menos da minha idade , e as protegia como uma leoa. Um dia, ela percebeu algo estranho e foi falar com a mamãe.
Pensei que finalmente meu tormento teria fim, pois a mamãe agora me protegeria! Aquela vizinha contaria o que eu nunca tivera coragem de contar , e agora, tudo ficaria bem! Mamãe disse que eu era muito criativa, que aquilo era conversa de criança. Foi nesse dia que percebi que ela sempre soubera de tudo.
Aquilo doeu mais do que todas as noites que fui pega de surpresa, enquanto sonhava com carrosséis coloridos, algodão doce cor de rosa e ambulâncias a me socorrer. Ela sabia, e nunca fez nada para aquilo ter um fim.
A vizinha comunicou a polícia, mas mamãe negando, a gente sendo pobre e papai o bom provedor, ninguém questionou e tudo ficou como estava.
Um dia, estávamos reunidos para jantar, e eu disse quena natureza era perfeita: os passarinhos cuidam de seus filhotinhos até que eles possam se alimentar sozinhos, que os gatinhos também são protegidos pelas mães, assim como todos os outros animais. Papai respondeu que os potrinhos, quando nascem, recebem um chute das mães, que é pra aprenderem que a vida não é moleza.
Eu já sabia disso. A vida não era moleza e eu , definitivamente, não era passarinho, nem gatinho. Eu era potrinho.
Quando comecei a ir a escola, tudo ficou muito óbvio. As marcas roxas pelo meu corpo, meu pescoço, a dificuldade em me movimentar, em me sentar, aconteciam com tanta frequência, que todos da escola perceberam e, o sonho daquela ambulância vir me buscar, se tornou real.
Papai foi preso, mamãe chorou muito por ele. As lágrimas que por mim, nunca foram derramadas, vertiam constantemente agora. Seria eu a vilã de minha própria história? O pesadelo finalmente acabara, mas a realidade que seguiu foi muito pesada para a menininha que eu era. Quem me via brincando com minhas bonecas, não podia imaginar a profundidade de minhas dores.
Procurava um lugar pra me esconder. Cavava buracos profundos na terra vermelha do meu quintal, queria poder entrar ali e me esconder do mundo. Mas não sabia como me esconder de mim mesma. Fui crescendo e minha infância seguia a meu lado. Para todos, era apenas uma menininha de olhos claros e cabelos finos e loiros, brincando na terra.
Aos doze anos, me apresentaram um pozinho mágico, que fazia com que por algum tempo, eu me sentisse bem e livre. DepPDois vieram as injeções, e aos quatorze adoeci muito e o médico disse que eu tinha uma doença, e que teria que tomar muitos remédios para poder continuar viva.
Aos dezesseis, morri de overdose. Não pude ter meus filhos e protege-los do mundo e das pessoas más que por ventura pudessem surgir. Não tive infância, nem juventude. A vida , para mim, foi longa demais e o descanso demorou muito para enfim, surgir. Embora não pareça, meu fim foi um presente de Deus. O único que recebi durante minha longa existência.
Peço sempre a Deus que perdoe minha mãe, pois eu não fui capaz de perdoá-la.
Agora finalmente, descanso em paz.
"PEDOFILIA É CRIME. DENUNCIE!
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