O Senado aprovou a lei que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos,PNRS encerrando uma novela que durou 21 anos no Legislativo. Trata-se de um marco histórico na área ambiental, capaz de mudar em curto tempo a maneira como poder público, empresas e consumidores lidam com a questão do lixo. Entre as novidades, a nova lei obriga a logística reversa -- o retorno de embalagens e outros materiais à produção industrial após consumo e descarte pela população.
As regras seguem o princípio de responsabilidade compartilhada entre os diferentes elos dessa cadeia, desde as fábricas até o destino final. Os municípios, por exemplo, ganham obrigações no sentido de banir lixões e implantar sistemas para a coleta de materiais recicláveis nas residências. Hoje, apenas 7% das prefeituras prestam o serviço.
“A lei consagra no Brasil o viés social da reciclagem, ao reforçar o papel das cooperativas de catadores como agentes da gestão do lixo, com acesso a apoio financeiro, podendo também fazer a coleta seletiva nos domicílios”, destaca Victor Bicca, presidente do Cempre - Compromisso Empresarial para Reciclagem. Existem no país cerca de 1 milhão de catadores, em sua maioria autônomos, que trabalham em condições precárias e sob exploração de atravessadores.
Empresas que já adotam práticas em favor da reciclagem, dentro do conceito de sustentabilidade, terão maior campo para expansão. “A partir de regras claras”, diz Bicca, “a reciclagem finalmente avançará no país, sem os entraves que a inibiam, apesar dos avanços na última década por conta do dilema ambiental”. E ele acrescenta: “Sem um marco regulatório nacional, a gestão do lixo estava ao sabor de leis estaduais que variam de região para região e, em alguns casos, impõem taxação e metas para a recuperação de embalagens após o consumo”. O empresário lembra que, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o país perde R$ 8 bilhões por ano ao enterrar o lixo reciclável, sem contar os prejuízos ambientais.
“O atraso da lei gerou danos ambientais significativos, a exemplo da multiplicação de lixões, que neste ano resultou em mortes nas encostas de Niterói durante as chuvas de verão, além do despejo de resíduos em cursos de água”, afirma o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), responsável pela versão final do projeto na Câmara dos Deputados, onde recebeu mais de cem emendas. “Não foi um tempo jogado fora, porque nesse período a consciência da sociedade despertou para o problema e conseguimos maior convergência de posições”, ressalva o deputado.
Desde fevereiro, a lei aguardava votação no Senado, com apoio do governo federal, consenso entre diferentes setores envolvidos no debate e acordo de lideranças partidárias para acelerar o processo. Nesta quarta-feira, em sessão conjunta das comissões de Cidadania e Justiça, Assuntos Sociais, Assuntos Econômicos e Meio Ambiente, o projeto recebeu os últimos ajustes e foi levado ao Plenário, contendo 58 artigos em 43 páginas. Foi aprovada pouco depois das 21h.
Após a assinatura da Presidente da República, a lei voltará ao Legislativo para a regulamentação, definindo itens ainda pendentes, como incentivos financeiros e regras específicas para a logística reversa, que serão estipuladas mediante acordos entre os setores industriais.
Pela lei recém-aprovada, a logística reversa começará pelas embalagens de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas e produtos eletroeletrônicos e seus componentes, como computadores, telefones celulares e cartuchos de impressão.
A lei proíbe a importação de qualquer tipo de lixo. Também não será permitido catar lixo, criar animais ou morar em aterros sanitários. “O novo modelo muda o enfoque atual da gestão de resíduos, baseado unicamente na geração, coleta e disposição final do lixo”, explica Carlos Silva Filho, diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais - Abrelpe. “Agora a preocupação é mais abrangente, envolvendo desde a redução dos resíduos com práticas de consumo consciente até a otimização da coleta e novas modalidades, como o uso do lixo para gerar energia, ficando o despejo, em aterros sanitários, como última alternativa”. Carlos Silva lembra que “agora é preciso resolver como cobrir o custo da implantação desses processos, mediante novos sistemas de remuneração”.
O consumidor, com a separação dos materiais na origem, é chave nesse processo. Ele está suficientemente conscientizado para mudar hábitos e se engajar nesse trabalho?
É preciso fazer a nossa parte nas residências, separando o lixo seco (plásticos, papéis, latas, vidros etc) dos úmidos (restos de alimento e sujeiras de matéria orgânica em geral). Faremos campanhas de massa. Os consumidores passarão a ser incentivados para essa prática, com campanhas de educação e serviços mais eficientes de coleta dos materiais nas residências. Nos últimos dez anos, melhoraram muito tanto o nível de conscientização como a qualidade da coleta nos domicílios, onde os materiais são separados na fonte.
Entre suas principais características, a lei reforça o papel das cooperativas de catadores. Elas estão capacitadas para absorver o aumento da quantidade de lixo reciclável? Hoje apenas uma ínfima parte do lixo reciclável é processado nas cooperativas.
Entre os catadores, há iniciativas de diversos padrões, desde pequenos núcleos que operam sem condições de segurança ou higiene até grandes cooperativas com gestão de negócios, maquinário, veículos e controle da produção. No geral, as cooperativas precisam ser capacitadas para esse importante papel, definido pela lei. Elas poderão, inclusive, ser contratadas pelo poder público para fazer a coleta nas residências. Não faltará lixo reciclável para outras iniciativas de separação e processamento, tanto de cunho social, como empresarial.
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