domingo, 27 de maio de 2012
Bradesco, o personagem oculto.
Lúcio Flávio Pinto
O Bradesco, na época o maior banco privado do Brasil (depois foi superado pelo Itaú, dos Setubal; mas ainda é dos maiores do mundo) não podia participar do leilão do controle acionário da Vale, em maio de 1997. O Estatuto das Licitações, ainda em vigor, proibia que o avaliador participasse, direta ou indiretamente, da licitação (em que modalidade fosse: concorrência, tomada de preço, convite, ou leilão).
O Bradesco, integrou o consórcio de avaliação do acervo da Vale, sob a liderança de fato da Merril Lynch, sponsor broker (agente) da Anglo American, na África do Sul. Por isso e também porque detinha mais de 17% do capital da CSN, a Companhia Siderúrgica Nacional (igualmente vendida. seis anos antes), nem o Bradesco nem a CSN poderiam participar do leilão da Vale. A Lei 8.666/93 reputa ilegal qualquer participação igual ou acima de 5% do capital,
Foi montada uma “complexa engenharia financeira”, aprovada pelo BNDES, para o Bradesco financiar debêntures conversíveis em ações da Vale, emitidas pela Eletron e o Sweet River Fund (ambos de propriedade de Daniel Dantas, do Opportunity), com prazo de um ano. Como tais debêntures não foram resgatadas, o Bradesco pôde se apresentar como acionista controlador da Vale.
Para consolidar o arranjo, o Bradesco promoveu uma “cisão” do seu capital, no primeiro trimestre de 2000, e constituiu a Bradespar, cujo capital inicial foram as ações de controle do Bradesco na Light, na CSN e na Vale. Conseguiu assim utilizar a participação na Vale como capital da nova entidade (Bradespar), o que confirmaria a ilicitude da presença do Bradesco no leilão de três anos antes.
Para uma cisão regular ser admitida, é necessário, além da auditoria contábil, uma auditoria jurídica, sob a responsabilidade de um escritório de advocacia idôneo, sem compromissos com a empresa promotora da cisão. Esse escritório, no caso Bradesco/Bradespar, foi o Carvalhosa e Eizirik Advogados, que deveria responder a um questionário elaborado pela promotora da cisão.
O advogado Eloá Cruz, que patrocina numerosas ações populares contra a desestatização da Vale, observa que, como o Bradesco nada indagou sobre a influência do contencioso gerado pelas ações judiciais contra a alienação da estatal, o escritório de advocacia podia alegar que não esclareceu esse ponto.
Isto porque não lhe perguntaram, nem o Bradesco e – mais grave –muito menos a Comissão de Valores Mobiliários. Tanto as informações quanto as omissões, contudo, podiam ser confirmadas por qualquer pessoa no balcão da CVM, no Rio de Janeiro.
Além das manobras jurídicas, um fato concreto indicava o papel desempenhado pelo Bradesco na nova sociedade: a presença de Roger Agnelli, que fez carreira na instituição, desde o posto mais humilde até o topo da estrutura.
Além de ocupar a presidência da Vale, Agnelli também era presidente do Bradespar, o braço do Bradesco na mineradora; membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), que assessora quem esteja no cargo de Presidente da República do Brasil (fez sessões decorativas diante de Lula e ainda não foi convocado uma única vez por Dilma); membro do Conselho Internacional de Investimentos, que assessora o Presidente da República da África do Sul, e intregrante do International Advisory Committee da New York Stock Exchange (NYSE), a Bolsa de Valores de Nova York.
A companhia estava, portanto, em mãos confiáveis. Continua, mais ou menos.
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