Déborah Pimentel (*)
Dizem que na crise, encontram-se oportunidades. O marqueteiro da presidente Dilma, João Santana, que tem status de ministro, no meio do caos das manifestações populares, e depois de alguns insucessos (constituinte, plebiscito), conseguiu jogar toda a sua pesada artilharia em um alvo específico, a categoria dos médicos, em atitude eleitoreira, populista mas com possibilidades de agradar à grande massa (ainda que só por algum tempo até que descubra o engodo), uma vez que esta depende dos serviços públicos de saúde: o programa Mais Médicos.
A população reivindica melhores serviços e mais investimentos do Estado em saúde e os tradutores de plantão das vozes das ruas, os ministros pré-candidatos do PT ao governo paulista em 2014, Aloizio Mercadante (Educação) e Alexandre Padilha (Saúde), traduziram para a presidente que o caos da saúde pública é de responsabilidade única dos médicos, que não querem se interiorizar.
Assim, o ideal é importar estes profissionais.
O que ninguém diz, mas todos sabem, é que se trata de uma forma oportuna de cumprir uma antiga promessa que Lula e o PT haviam feito aos brasileiros que fugiram dos vestibulares de Medicina no Brasil e foram fazer o curso nas terras de Fidel e Evo Morales, entre outros lugares.
Eles não estavam conseguindo trabalhar aqui, em razão da dificuldade de revalidação dos seus diplomas adquiridos nos cursos duvidosos que fizeram, onde se ensina mais ideologia política do que habilidades médicas.
Desnecessário lembrar ao leitor mais sagaz que para fazer Medicina em Cuba o único pré-requisito é ser filiado ao PT.
Outro ganho secundário do Programa Mais Médicos seria continuar enviando recursos financeiros para a ilha dos irmãos Castro, importando outros médicos, além dos brasileiros que vivem lá. Este tiro saiu pela culatra diante das exigências do governo cubano, uma vez que os médicos, aqui no Brasil, precisariam ser monitorados para não fugir e os pagamentos seriam feitos diretamente ao ditador.
Ou seja, a presidente estava importando escravos e não iria pegar bem no cenário internacional.
O alvo agora são os portugueses e espanhóis que, com a crise europeia, estão desempregados. A Ordem dos Médicos de Portugal, curiosamente, já se manifestou, afirmando que o Brasil desprestigia de forma desrespeitosa os médicos portugueses oferecendo apenas uma licença temporária e com uma limitação geográfica.
Estão insatisfeitos. Querem mais. Eles e a nossa presidente, todos de memória curta, já esqueceram que dentistas brasileiros não conseguiram revalidar seus diplomas em terras de Cabral nesta mesma Ordem que considerou a formação em Odontologia no Brasil insuficiente. Dentistas ficaram sem trabalhar e foram expulsos daquele país.
Outra brilhante ideia dos senhores grilos da dona presidente é escravizar mão-de-obra nacional: amplia-se o curso de Medicina em mais dois anos e manda-se a meninada para os lugares mais distantes e carentes do país, a título de estágio supervisionado no SUS e com o nobre objetivo de melhorar a qualidade da formação da garotada.
Muito bom.
Golpe de mestre.
População aplaude e enganada, agradece. Finalmente mais médicos!
Ora, como assim? Não continuam estudantes?
Se são estudantes, eles não têm registro no Conselho de Medicina e não podem exercer a Medicina.
Se são estudantes, eles não podem ficar sozinhos sem supervisão.
E quem fará a supervisão? A presidente diz que são as escolas.
Ora, e as escolas têm professores suficientes e disponíveis para serem deslocados para estes lugares para cuidar dos seus alunos?
Ela, a presidente, combinou com quem sobre estas mudanças curriculares que são privilégios constitucionais das universidades (artigo 207)?
Não se muda um currículo por medida provisória. Será que ninguém desconfia que esta senhora e seus fantásticos assessores, equivocadamente, pensam que vivem em uma espécie de Venezuela?
Claro que as universidades e as entidades médicas – Associação Médica Brasileira (AMB), Associação Nacional de Médicos Residentes (ANMR), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Federação Nacional dos Médicos (Fenam) – que nunca foram consultadas, reagem e condenam veementemente o programa Mais Médicos e a mudança abusiva da grade curricular.
Médico não é mágico. Podem ser os melhores médicos brasileiros, cubanos, portugueses ou vindos de Harvard que não conseguirão fazer milagres nesses campos de miséria, pois o médico que se submete a trabalhar nesses lugares às vezes sequer dispõe de pia para lavar as mãos e não lhe são fornecidos medicamentos básicos, sequer analgésicos. Falta estrutura mínima e gestão eficiente dos parcos recursos existentes.
Se os médicos brasileiros não vão para estes lugares, é porque não lhes dão condições e estruturas adequadas de suporte mínimo. Falta financiamento e o governo sabe disso.
Por que não se oferece ao médico um plano de carreira como é oferecido no Judiciário?
Os médicos desejam que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 454/2009, que cria a carreira médica nos serviços públicos de saúde federal, estadual e municipal, seja aprovada.
Esta seria uma forma digna de levar o médico para o interior com remuneração justa, uma estrutura de qualidade e disponibilidade de tratamento.
A presidente é instruída a fingir não compreender que saúde não é feita apenas por médicos e conseguiu colocar a população contra os médicos que se tornaram, já há algum tempo, os grandes vilões da saúde como se fossem aqueles que respondem pela falta, quer de leitos, quer de medicamentos e exames complementares.
Ela resolveu transferir toda a responsabilidade sobre os ombros de uma classe, que os dirigentes petistas dizem ser preguiçosa, irresponsável e mal preparada.
As entidades médicas não são contra a abertura de mais faculdades ou mais 12.000 vagas (número mágico, apresentado aleatoriamente pela presidente), desde que se prove que são bons cursos; não são contra a vinda de médicos cubanos, espanhóis ou portugueses, desde que se prove que têm conhecimentos mínimos para atuar, submetendo-se à prova de revalidação de diplomas e do conhecimento da língua (não é um desafio fácil).
Cabem questionamentos jurídicos sobre estas medidas e até mesmo uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) – que, não se enganem os senhores, virão.
Para fechar o pacote, a nossa presidente aplicou nos médicos mais um golpe, provavelmente por retaliação frente à repercussão negativa nas entidades médicas que fizeram duras manifestações de repúdio às manipulações da massa com fins eleitoreiros: a Lei do Ato médico foi sancionada com nove vetos, e entre eles o que definia como privativo do médico o diagnóstico das doenças (nosológico) e a prescrição de medicamentos, que agora poderão ser feitos pelos enfermeiros e farmacêuticos.
Os médicos, portanto, só serão úteis para assinar atestados de óbito. E se os médicos são dispensáveis, por que mais médicos?
Larga do meu pé, Dilma!
(*) Médica, psicanalista, professora de Ética Médica na Universidade Federal de Sergipe e de Habilidades de Comunicação no Curso de Medicina da Universidade Tiradentes (UNIT) de Sergipe
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