sábado, 6 de julho de 2013

Sobre a deficiência na era da inclusão.


Por Romeu Kazumi Sassaki*
A construção de uma verdadeira sociedade inclusiva passa também pelo cuidado com a linguagem. Na linguagem se expressa, voluntariamente ou involuntariamente, o respeito ou a discriminação em relação às pessoas com deficiências. Com o objetivo de subsidiar o trabalho de jornalistas e profissionais de educação que necessitam falar ou escrever sobre assuntos de pessoas com deficiência no seu dia a dia, a seguir são apresentadas 20 termos, palavras ou expressões incorretas acompanhadas de comentários e dos equivalentes termos corretos. Ouvimos e/ou lemos frequentemente esses termos incorretos em livros, revistas, jornais, programas de televisão e de rádio, apostilas, reuniões, palestras e aulas.
1. adolescente normal

Desejando referir-se a um adolescente (uma criança ou um adulto) que não possua uma deficiência, muitas pessoas usam as expressões adolescente normal, criança normal e adulto normal. Isto acontecia muito no passado, quando a desinformação e o preconceito a respeito de pessoas com deficiência eram de tamanha magnitude que a sociedade acreditava na normalidade das pessoas sem deficiência. Esta crença fundamentava-se na ideia de que era anormal a pessoa que tivesse uma deficiência. A normalidade, em relação a pessoas, é um conceito questionável e ultrapassado. TERMO CORRETO: adolescente (criança, adulto) sem deficiência ou, ainda, adolescente (criança, adulto) não-deficiente.
2. aleijado; defeituoso; incapacitado; inválido

Estes termos eram utilizados com frequência até a década de 80. A partir de 1981, por influência do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, começa-se a escrever e falar pela primeira vez a expressão pessoa deficiente. O acréscimo da palavra pessoa, passando o vocábulo deficiente para a função de adjetivo, foi uma grande novidade na época. No início, houve reações de surpresa e espanto diante da palavra pessoa: “Puxa, os deficientes são pessoas!?” Aos poucos, entrou em uso a expressão pessoa portadora de deficiência, frequentemente reduzida para portadores de deficiência. Por volta da metade da década de 90, entrou em uso a expressão pessoas com deficiência, que permanece até os dias de hoje.
3.“apesar de deficiente, ele é um ótimo aluno”

Na frase acima há um preconceito embutido: ‘A pessoa com deficiência não pode ser um ótimo aluno’. FRASE CORRETA: “ele tem deficiência e é um ótimo aluno”.
4.“aquela criança não é inteligente”

Todas as pessoas são inteligentes, segundo a Teoria das Inteligências Múltiplas. Até o presente, foi comprovada a existência de oito tipos de inteligência (lógico-matemática, verbal linguística, interpessoal, intrapessoal, musical, naturalista, corporal cenestésica e visual espacial). FRASE CORRETA: “aquela criança é menos desenvolvida na inteligência [por ex.] lógico matemática”.
5. cadeira de rodas elétrica
Trata-se de uma cadeira de rodas equipada com um motor. TERMO CORRETO: cadeira de rodas motorizada.

6. ceguinho
O diminutivo ceguinho denota que o cego não é tido como uma pessoa completa. A rigor, diferencia-se entre deficiência visual parcial (baixa visão ou visão subnormal) e cegueira (quando a deficiência visual é total). TERMOS CORRETOS: cego; pessoa cega; pessoa com deficiência visual; deficiente visual.

7. classe normal
TERMOS CORRETOS: classe comum; classe regular. No futuro, quando todas as escolas se tornarem inclusivas, bastará o uso da palavra classe sem adjetivá-la. Ver os itens 25 e 51.

8. criança excepcional
TERMO CORRETO: criança com deficiência mental. Excepcionais foi o termo utilizado nas décadas de 50, 60 e 70 para designar pessoas deficientes mentais. Com o surgimento de estudos e práticas educacionais na área de altas habilidades ou talentos extraordinários nas décadas de 80 e 90, o termo excepcionais passou a referir-se a pessoas com inteligência lógica-matemática abaixo da média (pessoas com deficiência mental) e a pessoas com inteligências múltiplas acima da média (pessoas superdotadas ou com altas habilidades e gênios).

9. defeituoso físico
Defeituoso, aleijado e inválido são palavras muito antigas e eram utilizadas com frequência até o final da década de 70. O termo deficiente, quando usado como substantivo (por ex., o deficiente físico), está caindo em desuso. TERMO CORRETO: pessoa com deficiência física.

10. deficiências físicas (como nome genérico englobando todos os tipos de deficiência)
TERMO CORRETO: deficiências (como nome genérico, sem especificar o tipo, mas referindo-se a todos os tipos). Alguns profissionais não-pertencentes ao campo da reabilitação acreditam que as deficiências físicas são divididas em motoras, visuais, auditivas e mentais. Para eles, deficientes físicos são todas as pessoas que têm deficiência de qualquer tipo.

11. deficientes físicos (referindo-se a pessoas com qualquer tipo de deficiência)
TERMO CORRETO: pessoas com deficiência (sem especificar o tipo de deficiência). Ver comentário do item 10.

12. deficiência mental leve, moderada, severa, profunda
TERMO CORRETO: deficiência mental (sem especificar nível de comprometimento). A nova classificação da deficiência mental, baseada no conceito publicado em 1992 pela Associação Americana de Deficiência Mental, considera a deficiência mental não mais como um traço absoluto da pessoa que a tem e sim como um atributo que interage com o seu meio ambiente físico e humano, que por sua vez deve adaptar-se às necessidades especiais dessa pessoa, provendo-lhe o apoio intermitente, limitado, extensivo ou permanente de que ela necessita para funcionar em 10 áreas de habilidades adaptativas: comunicação, autocuidado, habilidades sociais, vida familiar, uso comunitário, autonomia, saúde e segurança, funcionalidade acadêmica, lazer e trabalho.

13. deficiente mental (referindo-se à pessoa com transtorno mental)
TERMOS CORRETOS: pessoa com doença mental, pessoa com transtorno mental, paciente psiquiátrico.

14. doente mental (referindo-se à pessoa com déficit intelectual)
TERMOS CORRETOS: pessoa com deficiência mental, pessoa deficiente mental. O termo deficiente, quando usado como substantivo (por ex.: o deficiente físico, o deficiente mental), tende a desaparecer, exceto em títulos de matérias jornalísticas.

15. “ela é cega mas mora sozinha”
Na frase acima há um preconceito embutido: ‘Todo cego não é capaz de morar sozinho’. FRASE CORRETA: “ela é cega e mora sozinha”.

16. “ela é retardada mental mas é uma atleta excepcional”
Na frase acima há um preconceito embutido: ‘Toda pessoa com deficiência mental não tem capacidade para ser atleta’. FRASE CORRETA: “ela tem deficiência mental e se destaca como atleta”.

17. “ela é surda [ou cega] mas não é retardada mental”
A frase acima contém um preconceito: ‘Todo surdo ou cego tem retardo mental’. Retardada mental, retardamento mental e retardo mental são termos do passado. FRASE CORRETA: “ela é surda [ou cega] e não tem deficiência mental”.

18. “ela foi vítima de paralisia infantil”.
A poliomielite já ocorreu nesta pessoa (por ex., ‘ela teve pólio’). Enquanto a pessoa estiver viva, ela tem sequela de poliomielite. A palavra vítima provoca sentimento de piedade. FRASE CORRETA: “ela teve [flexão no passado] paralisia infantil” e/ou “ela tem [flexão no presente] sequela de paralisia infantil”.

19. “ela teve paralisia cerebral” (referindo-se a uma pessoa no presente)
A paralisa cerebral permanece com a pessoa por toda a vida. FRASE CORRETA: ela tem paralisia cerebral.

20. “ele atravessou a fronteira da normalidade quando sofreu um acidente de carro e ficou deficiente”
A normalidade, em relação a pessoas, é um conceito questionável. A palavra sofrer coloca a pessoa em situação de vítima e, por isso, provoca sentimentos de piedade. FRASE CORRETA: “ele teve um acidente de carro que o deixou com uma deficiência”.

Romeu Kazumi Sassaki In: VIVARTA, Veet (coord.). Mídia e deficiência. Brasília: Andi/Fundação Banco do Brasil, 2003, p. 160-165.
* Consultor de inclusão social. Autor do livro Inclusão: Construindo uma Sociedade para Todos (3.ed., Rio de Janeiro: Editora WVA ,1999) e do livro Inclusão no Lazer e Turismo: Em Busca da Qualidade de Vida (São Paulo: Áurea, 2003). Co-autor do livro Trabalho e Deficiência Mental: Perspectivas Atuais (Brasília: Apae-DF, 2003) e do livro Inclusão dá Trabalho (Belo Horizonte: Armazém de Ideias, 2000)

 

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